sábado, 23 de janeiro de 2010

Haiti grita a sua solidariedade.

Os microfones da rádio haitiana não se silenciam desde que a tragédia se abateu sobre Port-au-Prince. A televisão nacional emite várias horas de programação diária. Todos sabem que unidos os haitianos são mais fortes.

A Radio Signal FM não parou de emitir desde que o terramoto de 12 de Janeiro fez também tremer a voz de Jean Apolon. Passados 10 dias, este locutor mantém as linhas abertas para os haitianos, residentes dentro e fora do país, poderem tentar saber dos seus desaparecidos. Uma torrente sem fim de dúvidas e de esperanças. Gritos de vida ou lamentos de morte.

- Apolon, qual foi a história humana que mais o emocionou nestes dias de tragédia?

- A solidariedade das pessoas.

O Haiti está cheio de heróis. Há um em cada esquina, em cada campo de refugiados, em cada hospital. Muitos perderam a vida durante o terramoto. Outros dão-na todos os dias. É o caso de Wifford Guerrier, o anjo de Canneau, que todos os dias reúne um grupo de crianças das favelas esquecidas e as leva até ao restaurante Mum Cheez, onde outro anjo, Jean Pierre Bailly, oferece mil pratos de comida por dia.

Pulseira vale refeição quente
Este gigante haitiano desloca-se a diferentes campos de refugiados e coloca uma pulseira de plástico - inicialmente destinada às festas de Carnaval - nos eleitos que, nessa noite, irão ter comida quente num dos seus três restaurantes. "O sismo poupou a minha família. E temos uma boa situação económica. Um chefe francês ofereceu-se para cozinhar todos os dias, para eles comerem uma refeição quente, com salsichas, atum, arroz..."

Jean Pierre acredita na capacidade da sociedade haitiana para emergir do caos, inclusive passando "por cima" da ajuda internacional. "O Pai Natal nunca anda de metralhadora", resume, sarcástico. "Os haitianos são muito orgulhosos. Há muitas pessoas que vêm pedir ao meu restaurante, pela porta das traseiras, porque não gostam que as vejam", confessa ao Expresso.

"Unidos vamos marchar".
"Unidos vamos marchar." Embora pareça, não é este o lema de Jean Pierre. É o que diz o hino do Haiti. Arthus Silvestre também deitou mãos à obra para reivindicar algumas palavras que, com demasiada frequência, são apenas palavras. É o chefe civil do campo de refugiados do Parque 10, onde as redes sociais começaram a funcionar.

Os homens mais fortes vão à procura de água e transportam-na. Os mais afortunados, os que têm dinheiro, compram arroz, bananas e outros géneros, que depois são preparados pelas cozinheiras, nas panelas comunitárias. De noite, vigiam, como agora, com as lanternas acesas no meio da escuridão. Hoje, é a vez de um jovem da Escola Nelson Mandela, umas das que o terramoto destruiu (50% das escolas e as três principais universidades do país).

Umas centenas de metros mais a Norte, no Parque do Tribunal Civil, cresceu outro campo de refugiados. A organização é semelhante. Com a ajuda de haitianos registados no Facebook, Jean Pierre conseguiu que o presidente da Câmara de West Palm Beach oferecesse 3.000 casas de banho portáteis e três mini-hospitais.

União faz a força.
Unidos, os haitianos são fortes. A televisão nacional do Haiti sabe disso. Por isso, apesar dos danos sofridos pelo edifício onde funciona continua a emitir várias horas de programação diária. A nova redacção partilha o pouco que tem com dezenas de refugiados, no sítio onde dantes ficava o jardim da emissora. Ninguém se queixa.

Os poucos ecrãs que, na capital, continuam a receber as suas imagens também testemunham o modo como o efeito de dominó da solidariedade percorre Port-au-Prince e os povoados próximos, objectivos do êxodo dos habitantes da capital. "Lá, temos assegurada comida. Seja com familiares, com amigos, com conhecidos", garante, convicto, Jean Florant, antes de subir para a camioneta que o levará para a sua nova vida.

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