Há quem diga que o amor é uma droga: sob a sua acção, o organismo é inundado por uma descarga química que produz efeitos semelhantes aos de um opiáceo.
O que é o amor? Será, como escreveu Stendhal, o "milagre da civilização"? Será mais arte que sentimento, como defendeu Paul Morand? Ou será, afinal, "algo que não se define", antes se sente (Séneca, pensador romano)?
O debate é provavelmente tão antigo quanto as inquietações sobre as origens do Homem. Ao longo da História, vários têm sido os poetas, escritores e artistas que, cantando as virtudes do amor, têm contribuído para a compreensão deste fenómeno transcendente e antagónico: tanto é capaz de iluminar-nos a alma e encher-nos de vida como, num ápice, rasgar-nos o coração e apagar qualquer centelha de esperança. "Nascemos para amar", escreveu o político e autor britânico Benjamin Disraeli. "O amor é o princípio da existência e o seu único fim".
Mas, afinal, o que define o amor? A antropóloga norte-americana Helen Fisher, autora de "Porque Amamos - A Natureza Química do Amor Romântico" (Relógio D'Água, 2008), tem vindo a dedicar a sua carreira a decifrar esse enigma. A resposta, defende na obra, é menos romântica e mais previsível do que se esperava. O amor é... química, sentencia friamente. Uma alquimia complexa que envolve duas hormonas sexuais, a testosterona e o estrogénio, e dois neurotransmissores, a dopamina e a serotonina. A ciência, afinal, apenas confirma o senso comum. Quantos de nós já não nos escudamos na "química" para explicar aquele magnetismo incontrolável, o desejo irrefreável, a vertigem sentimental que nos liga a alguém? Química portanto, não simbólica mas literal.
A visão fica a dever muito ao romantismo, mas Fisher vai mais longe. A professora de Antropologia da Universidade de Rutgers socorre-se de Darwin para explicar que o amor, mais do que um sentimento nobre e transcendental, tem um papel evolutivo: existe para permitir a reprodução da espécie. E ainda que, como animais sexuais que somos, não precisemos de amar para nos envolvermos sexualmente, todos procuramos a pessoa ideal para assentar e constituir família. Mais do que máquinas sexuais, somos máquinas reprodutoras, diz-nos Fisher. O amor é apenas um meio para um fim muito mais nobre: a sobrevivência da raça humana. Esqueça, pois, os chocolates Godiva, as trufas, os diamantes e o champanhe caro.
A poção do amor não pode ser comprada nem mesmo na melhor loja. A primeira boa notícia é que existe dentro de cada um de nós. Basta encontrar a pessoa certa para a activar. A segunda é que a ciência pode ajudar-nos a consegui-lo mais eficazmente. Na sua última obra, "Why Him? Why Her?" (Porquê Ele? Porquê Ela?, numa tradução literal), acabada de publicar nos Estados Unidos, Fisher recorre ao seu conhecimento sobre a acção da testosterona, do estrogénio, da dopamina e da serotonina para traçar quatro tipos de personalidade distintas e explicar a sua influência nas relações românticas. Porque se as relações duradouras dependem mais do estatuto e da história de vida em comum, é a compatibilidade entre personalidades que soltará as faíscas no primeiro encontro.
Associados a elevados níveis de estrogénio, os Negociadores são introspectivos e analíticos, revelando grande habilidade para lidar com as pessoas. Cheios de testosterona, os Directores são bastante competitivos, ambicionando desempenhar papéis de liderança. Sob a influência da serotonina, os Construtores são os pais de família dos subúrbios, populares entre colegas e amigos, e pilares das suas comunidades. Por fim, os Exploradores, afectados por uma elevada acção da dopamina, são criativos e energéticos, não dispensando uma boa aventura.
As características de cada um dos tipos de personalidade ajudam a explicar a sua compatibilidade. Construtores e Exploradores tendem a procurar parceiros com o mesmo tipo de personalidade. Os primeiros porque sendo tão tradicionais - "são os casamentos de 50 anos, com cinco filhos", ilustra a autora - dificilmente conseguem tolerar outro tipo. Mais curiosa, sobretudo de um ponto de visto evolutivo, é a atracção entre Exploradores. Quem vai tomar conta das crianças quando ambos estiverem a subir ao Evereste ou no bar a tomar drogas?, interroga-se Fisher. Já Negociadores e Directores completam-se: precisam das características uns dos outros.
"Tudo o que fazemos tem um componente químico", explica Fisher ao Expresso. Conhecer a receita não destrói, contudo, o romantismo, garante a antropóloga. "Podemos conhecer todos os ingredientes químicos de um bolo de chocolate ou de uma cerveja e ainda assim desfrutar do prazer de consumi-los." Nisto do amor, o melhor é deixar espaço para o acaso. É que o coração tem caminhos que a própria razão desconhece.
As três fases do amor.
Desejo sexual
É a fase da luxúria, do impulso sexual indiscriminado desencadeado pelas nossas hormonas sexuais, a testosterona nos homens e o estrogénio nas mulheres.
Amor Romântico
É a fase da atracção sexual selectiva, do enamoramento e da paixão. É quando perdemos o apetite, a concentração, o sono e a razão. É quando o coração bate mais depressa, as mãos ficam suadas e a respiração parece falhar. A passagem da fase do desejo para a do amor é controlada pela feniletilamina, uma molécula natural semelhante às anfetaminas. Há uma descarga de dopamina e norepinefrina, duas substâncias associadas aos centros de prazer no cérebro. São, na prática, estimulantes naturais do cérebro.
Fase de ligação
É a fase do compromisso, do amor maduro, da estabilidade emocional. Aqui entram em acção sobretudo duas hormonas: a oxitocina, libertada durante o sexo e conhecida como a "hormona do carinho" ou "do abraço"; e a vasopressina, tida como a hormona da fidelidade.
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