terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Testemunho. O «inferno» da Austrália visto por um português.

Numerosas localidades australianas foram varridas do mapa com os incêndios que calcinam o sul da Austrália, queimando casas, automóveis e pessoas na maior tragédia de sempre deste género no país, saldada em 108 mortos e 750 lares destruídos.

Luís Geraldes, artista e pintor, descreveu à Lusa o ambiente no local onde se encontra, um centro de acolhimento a cerca de cinco quilómetros da sua residência, que se tornou num «cenário de inferno».

«Existe um capacete preto na atmosfera e, de vez em quando, nas várias frentes onde o fogo ainda ocupa colinas, as árvores rebentam e mandam as folhas a arder para o ar, como foguetes», explicou.

«É impossível controlar este fogo, que se espalha por todo o lado, e por mais água que se deite não é possível dominar as frentes», disse ainda, acrescentando: «A temperatura continua a mais de 40 graus, o sol não existe e para se andar é preciso levar luzes acesas. Não se vislumbra o fim deste cenário de inferno.»

A ambiente geral é de consternação: «Existe um grande traumatismo, morreram muitas pessoas, amigas e vizinhas. Nas florestas, as pessoas têm propriedades com mais de cinco hectares e todos se conhecem porque fazem reuniões durante o ano sobre como combater as frentes de fogo (comuns no Verão australiano).» «Nas actuais circunstâncias, no entanto, foi impossível combater as chamas. Mesmo os mais fortes, que ficaram para trás até à última hora, quando tentaram fugir já não conseguiram porque as árvores estavam caídas no meio das estradas, os carros ficaram bloqueadas e o fogo carbonizou-as lá dentro», adiantou.

Luís Geraldes está inconformado: «As pessoas estão psicologicamente em baixo, altamente deprimidas, desde crianças, a pessoas de idade. Há milhares no centro de acolhimento e vai ser preciso ter coragem.»

O número de vítimas continua a crescer enquanto as operações de busca e salvamento resgatam corpos das chamas que têm transformado num inferno sobretudo o Estado de Vitória.

O primeiro-ministro, Kevin Rudd, declarou estar «consternado» com a chuva de cinza que cai do céu negro, enquanto as árvores explodem sob uma temperatura de 47 graus centígrados e são levadas pela fúria dos ventos.

No distrito de Kinglake, uma centena de quilómetros a norte de Melbourne, a localidade de turismo de Inverno de Marysville, com 800 habitantes, está em ruínas e é irrecuperável, de acordo com o responsável Brian Cross. Só em Kingsdale foram contados 18 mortos retirados dos escombros de quatro dezenas de casas e também de viaturas fumegantes.

Visto do ar, o cenário é dantesco até ao horizonte, com vastas quintas e florestas inteiras reduzidas a terra preta numa área de 2.200 quilómetros quadrados.

A polícia informou que há cerca de oito dezenas de pessoas hospitalizadas com queimaduras, 22 das quais de gravidade, como é o caso de uma bebé com escassos dois anos de idade, a quem está a ser ministrada morfina para apaziguar o sofrimento.

A Cruz Vermelha confirmou 3.733 evacuações, havendo relatos de sobreviventes que diziam ter visto algo parecido ao que foi a bomba atómica em Hiroshima.




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