sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Afinal somos felizes.

Uma sondagem exclusiva VISÃO/SIC/GfK Metris/Cesnova mostra que os bens materiais não são tudo e que os portugueses sentem tanta felicidade como os nórdicos ou os sul-americanos.
O tempo perguntou ao tempo quanto tempo o tempo tem. O tempo respondeu ao tempo que o tempo tem tanto tempo quanto tempo o tempo tem." Tempo. É este o bem mais escasso das sociedades ditas desenvolvidas, a preciosidade que, muitas vezes, se intromete nos trilhos da felicidade. Entra-se num ramerrame frenético e deixa-se de ter disponibilidade para a família, amigos, filhos, para si próprio, para fazer o que bem se entende. PAUSA. "A organização e gestão do tempo é fonte de stresse", dita o psicólogo José Luís Pais Ribeiro, 62 anos.

Respire-se. Destas linhas para a frente procurar-se-á optimizar essa jóia cuja falta pode afectar o nível de bem-estar dos portugueses. Ainda que eles se afirmem, na sua maioria, muito ou muitíssimo felizes.

Por estes dias, os índices de felicidade na Câmara de Mafra terão subido, arrisca-se dizer. Desde o início do ano que as portas encerram à quinta-feira para só reabrirem na segunda-feira seguinte. Todos trabalham mais uma hora e meia nos (apenas) quatro dias úteis.

Margarida Infante, 37 anos, responsável pelo departamento de Educação, dona de um sorriso franco e mãe de três crianças com idades entre os 2 e os 9 anos, viu a sua qualidade de vida disparar em flecha, quando o presidente tomou esta medida economicista (por cada sexta-feira sem actividade, a câmara poupa 5 mil euros). "Na primeira semana, aproveitei para ir a Lisboa namorar", recorda. Mas já usou o dia de folga semanal para arranjar o cabelo, despachar as compras do supermercado ou assistir ao desfile de Carnaval, na escola dos filhos. "Cada um tem de descobrir as suas fontes de felicidade. Actualmente, poder tratar de mim e ter mais tempo para a minha família faz-me muito feliz. Quando chega a segunda-feira, parece que estive de férias." Depósitos de tempo Por ser um bem tão precioso, já há quem o ponha no banco, a render. Fica-se mais tranquilo dá-se tempo a quem precisa. Teresa Branco, 65 anos, professora reformada e fundadora do Banco do Tempo de Quarteira, assegura que, desde que esta "instituição" entrou em Portugal, tem contribuído muito para a felicidade dos seus voluntários. Senão, leia-se o testemunho de Maria Goreti, 47 anos, residente em Torres Novas: "Tenho o meu tempo muito ocupado com trabalho e família. Pedi, no banco, que me fossem buscar um medicamento ao Hospital Santa Maria. Para fazer isso gastaria cerca de sete horas. Em troca, ofereço sacos de pinhas que apanho com a família, em dias de sol." Este dar e receber é fundamental no Banco do Tempo, já com 23 agências espalhadas pelo País. Para desenvolver laços entre as pessoas e proporcionar um sentimento de pertença a uma comunidade. "Tentamos relançar as velhas relações de vizinhança", resume Teresa Branco. Combate-se o isolamento, cresce a satisfação pessoal.

Como no caso de Sara Borges, 28 anos, que não podia estar mais satisfeita.

Acabada de chegar de dois anos em Lichinga, Moçambique, numa missão dos Leigos pelo Desenvolvimento, sente-se bem mais feliz. Nota-se nas fotos que mostra, com carinho, na serenidade do seu olhar. Partiu, deixando para trás um emprego numa empresa de headhunting e investiu num projecto de microcrédito. Acabou por se dedicar aos doentes com HIV/Sida. "Sinto-me mais completa se a minha felicidade envolver os outros e não só o meu umbigo." Este é o princípio do voluntariado e um caminho seguro para se estar de bem com a vida.

Deixou de ter uma existência complexa e descobriu que, na simplicidade, no estar limitada ao essencial, é que reside a sua felicidade. Agora quer reorganizar a parte profissional da sua vida, de forma a ficar com tempo livre para fazer aquilo de que gosta. Não voltará para a empresa onde estava antes desta intensa experiência, pois prefere traçar a sua rota pelos caminhos das Organizações Não Governamentais, "ajudando os de lá, através de cá".

Viagem sofrida

Sara Borges não precisou de procurar os serviços da Jason Associates para ajustar o seu talento à actividade adequada. Descobriu sozinha onde se sentiria profissionalmente mais realizada. Mas nem todos conseguem fazer essa descoberta sem recorrer a Tiago Forjaz, 36 anos, um dos sócios da empresa, e à sua fórmula da felicidade corporativa. "Tentámos resumir a equação a três factores: o papel da pessoa numa empresa, o contexto em que trabalha e o objectivo da sua função", explica Tiago. Em breve, haverá um questionário on-line, destinado a avaliar o grau de satisfação profissional.

"Mais do que construir uma carreira, devemos ambicionar ser felizes, ter consciência do que queremos e do que mais gostamos de fazer." A Jason Associates está totalmente em desacordo com o modelo de contratações que domina em Portugal: escolher as pessoas pelo que já fizeram

(experiência) e não por aquilo que são. "Está provado que a auto- -estima cresce quando realizamos algo de novo. A nossa função consiste em explorar as potencialidades das pessoas que cá vêm e orientá-las para um emprego onde possam ser mais felizes." Os números não são animadores: só conseguiram colocação para cerca de 80 dos 2 mil clientes. Mas quem disse que a felicidade vive num edifício seguro? "É, antes, uma viagem sofrida", termina Tiago.

Mudar de vida

Susana, 37 anos, e Miguel Rebelo, 36, não tiveram receio de embarcar nessa viagem. Estavam insatisfeitos em Caxias, com trabalhos superabsorventes e pouca disponibilidade para os filhos. Sagres apareceu como a solução para as angústias deste jovem casal de engenheiros. Há quatro anos mudaram-se para o Sul, atrás de um bom local para o windsurf, desporto que Miguel pratica com muita regularidade. Depararam-se com as adversidades típicas de quem muda de vida. Mas hoje o balanço é francamente positivo. Dedicam-se a comprar terrenos, a construir ou restaurar casas, para, depois, as venderem.

Trabalham a partir de um computador portátil e têm todo o tempo do mundo.

"Sinto-me muito mais livre, posso estar com os meus filhos, consigo fazer desporto, aprender canto", afirma Susana.

Vivem, há três meses, numa quinta, à entrada de Sagres, numa casa com muita luz e um jardim acolhedor, onde podem dar azo à veia desportista da família.

Inês, a filha de 9 anos, assim que chega da escola numa destas tardes de sol desafia o irmão, quatro anos mais novo, para uma partida de voleibol. Todos jogam ténis ou badminton. Sob o olhar pachorrento do Bobi, "o rafeiro mais feliz aqui da zona", diz Miguel. Dentro de portas, há música para todos os gostos. Inês toca violino e flauta, Ricardo adora bateria, o pai guitarra e ainda há um piano na sala para quem quiser dedilhar o teclado.

A capital, agora, só ao longe. "Quando lá vou, apenas quatro ou cinco vezes por ano, sinto-me um estranho", conta Miguel. Não admira. Lisboa não é uma cidade que ofereça muito boa qualidade de vida. Aliás, Portugal aparece sempre a meio dos rankings. A Dinamarca ganha esta batalha, segundo a lista do World Database of Hapiness, baseada em factores socioeconómicos e políticos. Para o Happy Planet Index, que toma em linha de conta a esperança de vida e a pegada ecológica, é Vanuatu, um país da Melanésia, situado no arquipélago das Novas Hébridas, que ascende ao mais alto nível de felicidade.

O peso dos genes

O isolamento dos países mais desenvolvidos é fonte de infelicidade. "As pessoas estão sozinhas, não têm com quem falar", nota Jorge Humberto Dias,

35 anos, consultor filosófico. "Procuro tornar os meus consultantes mais felizes, potencializando todas as suas capacidades e levando-os a elaborar planos de acção." A sua experiência conduziu-o ao desenvolvimento da metodologia dos seis passos, uma fórmula que faz depender a felicidade do número de concretizações de projectos.

Luís Mah, 38 anos, que trabalha com as Nações Unidas, não sofre desse isolamento crónico das grandes cidades. Vive em Lisboa, mas alicerça a sua estabilidade emocional na rede de amigos e familiares (segundo a sondagem, os aspectos mais importantes para uma felicidade elevada são a família, o amor, a saúde e a amizade). "A família dá-me uma noção de pertença, está lá para mim a todo o momento e especialmente quando preciso." Luís é solteiro e vive com uma amiga dos tempos da faculdade. Mas todas as semanas almoça com os pais e, de vez em quando, junta-se à família mais alargada. Os amigos, esses, estão presentes na sua rotina quotidiana. "A felicidade passa pelo elemento gregário. Só posso ser feliz se tiver uma rede social alargada, mas isso também não me deve impedir de guardar tempo para fazer as minhas coisas sozinho. Numa frase, procuro ser livre." Afinal, trata-se tão-só de gerir o tempo e disciplinar a vida, organizando-a com flexibilidade. Parece fácil, mas nem todos o conseguem. Ou porque a vida não ajuda ou porque a sua predisposição genética está virada para o pessimismo.

Mas os genes só têm um peso de 50 po cento. Da outra metade, 10% dizem respeito ao ambiente e 40% ao livre arbítrio, gosta de lembrar Helena Marujo, 50 anos, mestre em Psicologia Positiva, com base em evidências científicas.

Bem-estar na adversidade

Diz-e que o dinheiro não traz felicidade, a partir do momento em que as necessidades básicas estão satisfeitas. Mas isso depende de "critérios individuais e do sítio onde se vive", realça José Ribeiro. A sondagem vai neste mesmo sentido: o vil metal só é importante para 3,6% dos inquiridos.

No entanto, 56,1% afirmam que seriam mais felizes se tivessem mais euros na sua conta.

Será possível falar-se de felicidade, quando aquelas necessidades mínimas não estão garantidas? Poderá alguém estar de bem com a vida se a vida não está de bem com ela? Helena Marujo assegura que sim, porque tem andado no terreno a "pregar" a sua forma optimista de encarar as contrariedades. Em Rabo de Peixe, Açores, uma das zonas mais pobres da Europa, uma panela de sopa que se partilha com os filhos e a vizinha pode ser sinónimo de felicidade. E uma queixa que se apresenta na polícia, a denunciar os maus tratos de que se é vítima faz toda a diferença.

"Os conteúdos são diferentes mas trata-se da mesma busca: encontrar soluções positivas para melhorar o bem-estar", explica a especialista. Naquelas sessões, em meios mais adversos, ensina- -se a apreciar o que se tem, a descobrir novos recursos pessoais, a desenvolver o humor e a dar um objectivo à vida. É essa a riqueza psicológica de que fala o guru norte-americano Ed Diener: quando se traçam metas, ganha-se um sentido pelo qual lutar e isso proporciona mais do que a felicidade momentânea.

Tudo indica que a meditação seja um óptimo exercício para atingir esse bem-estar quase permanente. E o exercício físico, quando praticado regularmente, tem o mesmo efeito que os antidepressivos pílulas de aparente bem-estar, nocivas para a saúde, que não resolvem a questão da conquista da felicidade.

Mais dez anos de vida

Paulo Borges, 49 anos, descobriu a meditação e o ioga há quase 20 anos, numa época em que a sua grande agitação interior o incomodava. "Queria melhorar a minha qualidade de vida e a concentração." Conseguiu. De tal forma que, mais tarde, aderiu ao budismo e, hoje, presidente da união budista portuguesa e instrutor de meditação, é totalmente imperceptível essa agitação. Fala em tom pausado, com voz serena, sentado no sofá da sua sala, repleta de livros, já depois de ter tido o seu momento de pausa diário num santuário caseiro.

"Sinto que tenho uma maior capacidade para lidar com as contrariedades. Não reajo tanto às emoções", diz.

O filósofo Allan Wallace, também ele budista, tem estado à frente de várias experiências que visam provar os efeitos positivos da meditação sobre a mente. Verificou que a actividade cerebral se desvia para o hemisfério esquerdo, durante os momentos de concentração é nessa zona do cérebro que se encontram as funções relacionadas com o bem-estar.

A investigação sobre a felicidade já determinou algumas convicções dignas de registo: por norma, os crentes, os conservadores e os ricos são mais felizes que os agnósticos, os liberais e os pobres. Seja qual for o perfil onde se encaixa, vale a pena investir no bem-estar e encarar a vida com outros olhos. Os optimistas vivem, em média, mais dez anos do que os pessimistas, a mesma diferença que existe entre um fumador e um não fumador.

Segredos positivos
Existem 12 passos gratuitos, estratégias defendidas pela psicologia positiva, que guiam a caminhada até ao bem-estar

1) Expressar gratidão, através do exercício das três bênçãos (acabar o dia a identificar as três coisas boas que nos aconteceram)
2) Não se comparar com os outros
3) Praticar pequenos actos de generosidade, aprendendo a perdoar
4) Cultivar, conscientemente, a amizade
5) Deixar que as emoções, boas ou más, se libertem
6) Fazer uma pausa, no frenesim do dia-a-dia
7) Arranjar tempo para o exercício físico regular
8) Centrar a nossa atenção (nomeadamente através da meditação)
9) Ir para além do destino, interpretando o que nos acontece e o que fazemos
10) Não se vitimizar. O que descrevemos sobre a nossa vida torna-se a nossa realidade
11) Quer ser mais bem disposto? Finja que é e acabará por ser.
12) Brincar mais com a vida, despreocupando-se

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