sábado, 20 de junho de 2009

Quando os mortos falam.

O estado dos cadáveres já resgatados do mar dá pistas sobre o que terá acontecido ao voo AF447 sobre o Atlântico.

Ausência de queimaduras na pele, fracturas apenas das pernas e dos braços, hemorragias junto à raiz dos dentes, pulmões sem água. Analisados os sinais particulares que vão ajudar a identificar os corpos recolhidos ao largo do arquipélago de Fernando de Noronha - tatuagens e marcas de acne incluídas -, as atenções dos peritos brasileiros e franceses a trabalhar lado a lado no Instituto de Medicina Legal de Pernambuco, em Recife, têm--se concentrado nos ferimentos sofridos pelas vítimas. Enquanto as caixas negras não forem localizadas, são eles que fornecem as primeiras explicações para a queda do Airbus 330 da Air France que fazia a ligação entre o Rio de Janeiro e Paris, na madrugada de 1 de Junho.

Se a tarefa ciclópica de determinar as causas do acidente com o AF447 se assemelha a um complicado puzzle - como já comparou o investigador-chefe encarregado do inquérito, Alain Brouillard -, os cadáveres encontrados a boiar no Atlântico são das peças mais importantes. Só do exame do estado dos primeiros 16 corpos resgatados infere-se que o avião não explodiu nem se desintegrou por completo no ar, e que parte da fuselagem chegou ao mar intacta, ainda com passageiros no seu interior. Mais: no momento do embate com a água, as 228 pessoas que seguiam no Airbus já estariam mortas, devido a uma rápida despressurização da cabina.
O que eles dizem

Para começar, a ausência de queimaduras afasta a hipótese da explosão - teoria que se adensou, a certa altura, com a informação nunca confirmada de que haveria dois terroristas islâmicos a bordo.
O mesmo se pode dizer do facto de os corpos terem a sua estrutura óssea quase intacta. Se o avião se tivesse desfeito completamente ainda no ar, as fracturas seriam múltiplas. Nos cadáveres resgatados, elas concentram-se sobretudo nos terços médios das pernas e dos braços.

Ao contrário do que foi avançado nos primeiros dias após a tragédia, quem seguia no voo da Air France não teve tempo para rebobinar a vida. Se é certo que o avião enviou 24 mensagens automáticas ao longo de quatros minutos, assinalando diversas avarias, as duas cadeiras da tripulação que foram encontradas ainda fechadas e com os cintos de segurança abertos indicam que as hospedeiras e os comissários de bordo estariam a dormir noutro local ou a circular pelos corredores, no momento do acidente.
É o estado dos dentes, no entanto, que mais "descanso" dá aos familiares e amigos das vítimas. Ao apresentarem hemorragias junto à raiz, os dentes são um indicador de que a falta de oxigénio deixou os ocupantes do Airbus rapidamente inconscientes, sem tempo de reacção ou dor.

A morte por asfixia e não por afogamento é corroborada pelos pulmões, que não apresentam qualquer vestígio de água.

Enquanto os peritos analisam os corpos e os destroços do avião entretanto resgatados ao mar, continua a corrida contra o tempo para encontrar as caixas negras que deverão estar a 6 mil metros de profundidade. As suas baterias esgotam-se ao fim de um mês, e com elas a esperança de o puzzle alguma vez ser terminado.

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