domingo, 19 de abril de 2009

"Mulher que nunca esquece", afinal... também esquece.

Um ano depois de Jill Price ter saltado para a ribalta como "a mulher que nunca esquece", graças à sua prodigiosa memória - lembra-se de tudo desde os seus 14 anos -um psicólogo norte-americano apresenta uma nova teoria para esta capacidade.

Entrevistada pela ABC News, Jill Price, 43 anos, responde sem pestanejar a uma série de perguntas que põem à prova a sua memória fora de série: Quando é que a CBS exibiu o episódio de Dallas "Quem matou JR"?. Jill não só dá a resposta correta como consegue lembrar-se do tempo que fazia nesse dia. E se lhe perguntassem, provavelmente saberia dizer o que tinha vestido e comido.

Até ao ano passado, ninguém ouvira falar de Jill Price. A família e os amigos sabiam da sua memória notável, mas o seu caso não era conhecido da comunidade científica.

O caminho para o reconhecimento público começou em Junho de 2000, quando Price encontrou o site de um neurocirugião, James McGaugh, especializado em aprendizagem e memória e decidiu enviar-lhe um e-mail, contando-lhe a sua história.

"O que a maior parte das pessoas chamaria de dádiva, eu chamo de fardo. A minha vida inteira passa pela minha cabeça durante todo o dia e isso está a deixar-me louca", desabafou. Passado uma hora e meia, tinha uma resposta.

Juntamente com dois colaboradores, McGaugh conduziu, ao longo de cinco anos, várias entrevistas a Price, sem divulgar o trabalho a ninguém. Os investigadores usaram calendários, jornais e livros para verificar a ocorrência dos factos públicos mencionados por Price e recorreram aos diários escritos entre os seus 10 e 34 anos de idade para confirmar os factos da sua vida privada, como um esparguete ao jantar do dia 11 de Abril de 1993 ou o tempo que fazia numa qualquer manhã de Dezembro de 1995.

Só em Fevereiro de 2006, o seu artigo "Um Caso de Memória Autobiográfica Invulgar", publicado no jornal científico Neurocase, despertou a atenção pública.

À falta de um nome para o caso de Price, os investigadores decidiram chamar-lhe hyperthymestic syndrome, algo como Síndrome da Hipermemória.

Desconstruindo.
Entrevistada recentemente por Gary Marcus, psicólogo da Universidade de Nova Iorque, Price revelou, no entanto, os pontos fracos da sua memória prodigiosa. Marcus conta, num artigo publicado no final de Março na Wired, que começou por lhe fazer perguntas sobre acidentes de avião e suas datas, ao que a paciente respondeu rapidamente.

Mas o caso mudou de figura quando o questionário incidiu sobre acontecimentos mais recentes, como é o caso das eleições presidenciais nos Estados Unidos. Price não conseguiu dizer com exactidão quando é que Hillary Clinton se retirou da corrida ou quando Barack Obama assegurou a nomeação democrata. Quanto às eleições de 2004, os resultados ainda são piores. O psicólogo concluiu que à excepção da sua própria história e de certas categorias, como televisão e acidentes aéreos, a memória de Price não é muito diferente da da média.

Submetida também a um teste que visa analisar as chamadas distorções de memória, Price falhou igualmente. De uma lista de cinco palavras, não só não as conseguiu repetir todos como ainda disse três que não constavam da lista.

A questão que o clínico se colocou foi: Por que é que a sua memória quanto à sua própria história é tão precisa e tão mediana em tudo o resto? A resposta tem pouco a ver com a memória em sim, e tudo a ver com a sua personalidade, concluiu.
Para Marcus, Price lembra-se tão bem de tudo quanto lhe diga respeito porque está constantemente a rever o seu passado. O clínico nota que ela ainda guarda todos os pelcuches da infância, tem mais de 2 mil cassetes de vídeo e audio e até há pouco tempo mantinha todas as edições de uma revista com a programação de televisão desde 1989.

Gary Marcus defende que o que acontece com Price é que a sua "ruminação" do passado, que não acontece voluntariamente, fortalece as ligações entre as suas recordações.

Desde que o seu caso foi tornado público, outros portadores da mesma síndrome foram conhecidos, todos com uma memória autobiográfica espectacular e todos com os mesmos hábitos obsessivo-compulsivos de colecionar coisas e fixar datas e acontecimentos.

No seu artigo na Wired, o psicólogo relata ainda que apresentou as suas conclusões a McGaugh, o primeiro a tomar contacto com o caso de Price, que não refutou a teoria.

Sejam quais forem as razões, nada tira o extraordinário da memória da norte-americana, que apesar de sofrer com o facto de não conseguir esquecer os momentos mais difíceis da sua vida, garante que não trocaria a sua memória por nada.

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