domingo, 31 de maio de 2009

"A Solidão dos Números Primos"

Escreveu sobre a crueldade da adolescência - "A Solidão dos Números Primos" - e, com 26 anos, parte à conquista do mundo.

Uma sexta-feira à noite, num restaurante em Lisboa... um grupo de editores e jornalistas portugueses rodeavam o escritor italiano Paolo Giordano, o mais jovem autor a receber o Prémio Strega, aquele que já foi atribuído a Pavese, Moravia, Dino Buzzati, Primo Levi, Umberto Eco (uff!) e mais recentemente a Sandro Veronesi, Niccolò Ammaniti e a Giordano, em 2008, pela sua primeira obra, "A Solidão dos Números Primos" (Bertrand). Além de escritor, Giordano é físico e faz doutoramento em Física das Partículas na Universidade de Turim, cidade onde nasceu. Escreveu um romance que foi publicado pela Mondadori, foi "best-seller" em Itália, milhão de exemplares vendidos. De repente o italiano de 26 anos apareceu na lista de finalistas do Prémio Strega e caiu-lhe no colo o mais importante prémio literário do país. Na Feira do Livro de Frankfurt, os direitos de tradução do livro, que será adaptado ao cinema, foram vendidos para 25 países.

Voltando a sexta-feira... depois de passar o dia a dar entrevistas, Giordano parecia alheado num restaurante lisboeta onde todos à volta falavam em português. Foi então que uma jornalista na mesa atirou aos colegas: Giordano, tinha a impressão, era um sobredotado. O jornalista sentado a seu lado, tentando dizer "sobredotado" em italiano, virou-se para o escritor que acabara de conhecer: "Ela é demasiado tímida para perguntar, mas tem vontade de saber se és super-dotado." Giordano ficou em silêncio. Olhou atrapalhado para o tecto, hesitou. As gargalhadas desabaram sobre o equívoco. "Começaste a escrever há um ano, fizeste parte de uma banda, estás a fazer o doutoramento em física das partículas...", continuou o jornalista. "Ah, sobredotado!", disse o escritor, aliviado. "É que super-dotado pode querer dizer outra coisa."

Acessível sem ser banal.

A história de Paolo Giordano é invulgar. Quis escrever um romance porque achou que "era a altura certa". Porque é que um físico, no auge da sua carreira, a meio de um doutoramento, decide escrever um livro? "Estava aborrecido. Não com a física, que é interessante...quando se está na universidade aprendemos muitas coisas, mas começamos a trabalhar e isso abranda. Temos que nos manter focados num tema que investigamos a fundo. Senti que estava a desperdiçar alguma coisa, que só estava a usar uma parte do meu cérebro. Por isso decidi fazer alguma coisa mais criativa". Começou a escrever, não porque gostasse - continua a achar que se podem fazer coisas mais divertidas -, mas porque precisava de provar algo a si próprio.
Frequentou o Scuola Holden, curso de escrita criativa dirigido pelo escritor Alessandro Baricco onde conheceu Raffaella Lops que o incentivou a escrever um romance depois de ter lido os seus contos. Fez duas tentativas, não conseguiu ir além de algumas páginas. Tentou, então, escrever sem ter como objectivo "o romance". "Escrevi os dois primeiros capítulos como contos. Gostei das duas personagens, Mattia e Alice eram crianças, porque não deixá-las crescer?". Se há alguém com quem se identifica nesta história é com Mattia, o matemático obcecado por números primos. Quanto ao resto inspirou-se em histórias que lhe contaram amigos.
Quando um dos seus contos foi publicado pela revista literária "Nuovi Argomenti" e conheceu o editor da Mondadori, Giordano já tinha pronto o manuscrito do romance. O editor quis publicá-lo. E se havia coisa de que Paolo estava "muito orgulhoso" era do título, "Dentro e fora de Água". É também o título de um dos capítulos, aquele em que o narrador explica que existem números primos gémeos, que são ainda mais especiais do que os outros ("são pares de números primos que estão próximos um do outro, aliás, quase próximos, pois entre eles existe sempre um número par que os impede de se tocarem realmente.")

Mas quando se encontrou com o editor, a primeira coisa que este lhe disse foi que o título ia ser mudado. "Propôs-me 'A solidão dos números primos'. Achei que era um título difícil, demasiado pretensioso e discutimos. Acabei por aceitar. Ele estava certo. Não se percebe o que significa quando se lê pela primeira vez, é um título que deixa o leitor intrigado e fascinado sem perceber de que história se trata. E quando se fecha o livro, o título ainda continua a dizer-nos alguma coisa sobre o romance, talvez mais ainda."
São vários os factores que fizeram deste livro um "best-seller" e o título é um deles. Mas a única coisa que Paolo controlou quando o estava a escrever, aquilo que teve sempre presente, foi o esforço para manter uma escrita simples. Para que o seu livro pudesse ser lido por qualquer pessoa: por quem só lê um livro por ano e também por críticos literários.
"Um dos desafios da literatura nos nossos dias é não ficar restringido a um grupo de pessoas. Eu queria que o livro fosse acessível sem se tornar banal. Esse equilíbrio é difícil de atingir. Tento ser directo quando escrevo, tento ser o mais preciso possível. Mas isto já faz parte de mim, do meu 'background'. Mais tarde, quando regresso ao texto, leio e releio, tiro todos os obstáculos que sinto na leitura."

Esquecer o prémio.

As personagens, Mattia e Alice, são inadaptados. "Sim, são 'outsiders' quase toda a sua vida". Porque é que decidiu colocar na mesma história uma anoréctica e um rapaz que pratica auto-mutilação, como se juntasse todos os "freaks" num só livro? "Tive medo que isso acontecesse. Mas não o decidi". Aconteceu. No livro diz que ter 15 anos é uma idade cruel. Porquê? "Porque foi a minha idade cruel. É a primeira vez que temos que lidar com as coisas não resolvidas da infância. Mas ainda não temos liberdade para as enfrentar e ir noutra direcção. Estamos muito ligados aos pais, a meio do processo de construir a nossa identidade. É uma idade confusa. Foi uma idade de muito sofrimento para mim, por isso considero-a cruel. Mas a maneira como essa dor se expressa é geracional. Os hábitos mudam mas as hormonas da idade continuam as mesmas, acho eu, é biológico."

Giordano gosta "de tratar mal as personagens, de as abanar". Optou por não entrar dentro das suas tragédias, por não se envolver emocionalmente. "Foi isto que escolhi. O último passo pode ser dado pelo leitor. Todos sentimos alguma dor dentro de nós."
Quando soube que estava na lista dos finalistas do Strega, ficou assustado. "Nunca pensei que ia ganhar, era mais do que alguma vez tinha imaginado. Nessa noite estava fora de mim. Mesmo assustado. Depois de me ser atribuído o prémio pensei: 'o que vou fazer agora?' É o prémio mais importante que um escritor pode receber em Itália. Senti que podia perder a motivação para escrever mais e decidi esquecer que tinha recebido o prémio. Penso sempre que é uma coisa que aconteceu a outra pessoa."
Mas aconteceu-lhe a ele, aos 26 anos.

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