São alvo de coacção, injúrias, chantagem, agressões físicas e, até mesmo, sexuais. O número de homens a fazer queixa por violência doméstica não pára de aumentar.
"A partir do dia em que acordei com uma faca no pescoço só pensava em sair de casa. Fui ficando por causa dos miúdos, mas não aguentei". Já passou um ano desde que Luís (nome fictício) decidiu ir embora, mas os longos meses de discussões, agressões e até mesmo ameaças de morte continuam na memória. O que começou por ser uma história de amor terminou como "um pesadelo de ciúmes obsessivos", onde a violência doméstica tinha um rosto dominante feminino. As agressões nunca foram retribuídas "porque todos sabemos que um homem não pode bater numa mulher".
Se tivesse apresentado queixa da companheira, Luís, 32 anos, faria hoje parte do total das mais de seis mil vítimas de sexo masculino que em 2008 denunciaram às autoridades casos de violência doméstica. Realidade que não pára de crescer: Em 2007, 1722 homens apresentaram queixa à PSP, sendo que em 2008 o número subiu em flecha para 4631. Já à GNR, foram feitas 1431 denúncias no ano passado, enquanto que a Polícia Judiciária registou 10 tentativas de homicídio cujo autor era a esposa ou companheira. Três delas resultaram em mortes.
Nos registos da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), a subida de casos repete-se, com quase 600 homens a pedirem ajuda em 2008. "Sempre existiram casos destes, mas a garantia de confidencialidade e maior visibilidade dos serviços ajudam a dar o passo", explica Helena Sampaio, técnica na APAV. O primeiro contacto das vítimas do sexo masculino é quase sempre por telefone: "São geralmente alvo de vitimação continuada e, quando todas tentativas de pôr fim a bem não resultam, decidem quebrar o silêncio e minimizar a dor".
A vergonha, essa está sempre associada e Luís sabe-o bem. "A maior vergonha era não conseguir controlar a situação e perpetuá-la, mesmo depois de todas as coisas que ela me fazia". Por isso mesmo nunca pediu ajuda, nem mesmo à família. "Era um assunto que nos dizia respeito apenas a nós. Sempre associei a violência doméstica a agressões físicas, a mulheres espancadas e com os olhos negros como se vê na televisão. Até há bem pouco tempo não percebia que também eu fui uma vítima".
Hematomas de alma não se vêem.
Luís nunca ficou com marcas físicas, mas as psicológicas fazem-se notar nos mais de dois maços de cigarros que fuma diariamente, hábito que ganhou nos meses de maior stress. "Este tipo de violência consegue ter efeitos mais nefastos do que a física", garante a técnica da APAV. "É mais difícil ser provada, logo é mais complicado a vítima decidir fazer a denuncia". Opção que "pesa ainda mais" quando há crianças envolvidas.
"Na fase em que ela agarrava em facas e se plantava à porta de casa para eu não sair, cheguei a temer pela segurança dos meus filhos. Mas ela nunca foi violenta com eles, era como se tivesse dupla personalidade", lembra Luís, pai de duas crianças com 5 e 8 anos. "Quando lhe disse que ia embora ameaçou que fugia e que nunca mais os via". Actualmente, Luís vê os filhos só aos fins-de-semana, mas não se arrepende: "Fiz o melhor para todos. Eles continuam a ver-me, mas sem discussões".
Coação, injúrias, ameaça, difamação, agressão física e até mesmo sexual. Pela APAV passam anualmente centenas de casos graves com vítimas do sexo masculino. "Há a tendência de abordar este tema apenas na perspectiva da mulher e esquecem-se dos outros grupos como crianças, idosos e os homens", diz Helena Sampaio, que sublinha: "A violência doméstica não se resume às relações conjugais e no caso dos homens, o agressor nem sempre é uma mulher".
Das 678 vítimas de sexo masculino registadas pela APAV em 2008, 183 foram agredidos pelas companheiras, mas há também pais agredidos pelos filhos, crianças agredidas pelos progenitores, violência entre irmãos, agressões em relações homossexuais. Em todas as situações, "o importante é pensar em medidas de afastamento do agressor", salienta a técnica da associação.
Contudo, é aqui que o homem se encontra mais desprotegido, uma vez que ainda não há abrigos pensados para eles. "A lei protege o homem e a mulher de igual forma, mas quando não há provas palpáveis todo o processo ganha um carácter mais subjectivo", conclui Helena Sampaio.
O "factor autonomia" acaba por ter um papel preponderante na recuperação dos homens, que "conseguem despir o papel de vítima mais facilmente", diz a APAV. Já as mazelas, essas ficam durante muito tempo mesmo quando a vida se torna a recompor: "Transformei-me numa pessoa desconfiada. Acho que nunca mais vou voltar a confiar numa mulher a cem por cento".
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