Primeira grande surpresa do relatório anual de Avaliação da Actividade das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ), que na próxima segunda-feira será apresentado nos Açores: um em cada cinco menores com processo instaurado é estrangeiro. Segunda grande surpresa: o ano fechou com mais duas mil crianças retiradas às famílias do que em 2008.
O volume processual global alcançou o valor mais alto de sempre: 66.896. Foram instaurados 28.401 processos, menos três por cento do que em 2008. Transitaram 34.416, que é um pouco mais do que no ano anterior. E foram reabertos 4079, o que assume especial relevância, já que este é um indicador de que o perigo, afinal, não desaparecera.
As CPCJ identificaram a naturalidade de 23.114 crianças e jovens que lhes chegaram às mãos e perceberam que o peso dos estrangeiros saltou. Não se pense que vêm todas dos países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP). O número de crianças oriundas dos PALOP até diminuiu: 333 em 2006; 438 em 2007; 734 em 2008; 413 em 2009. O de outros países é que subiu: 700 em 2006; 1277 em 2007; 1857 em 2008; 4758 em 2009. A escalada aconteceu no espaço de um ano – em 2009 aumentou 13,9 a percentagem de estrangeiros que não eram originários dos PALOP. Com esta mudança passaram a pesar 22,4 por cento. Uma evidente sobre-representação, já que a população estrangeira não vai além dos 4,1 por cento do número total de residentes.
Armando Leandro, presidente da Comissão Nacional de Crianças e Jovens em Risco, ainda não encontrou explicação para esta súbita subida: “Esta é a realidade, temos de nos debruçar sobre ela para a entender”. Idália Moniz, secretária de Estado da Reabilitação, atribui o salto a uma maior consciencialização de que as crianças têm direitos, mesmo que a sua presença no país seja irregular: “Algumas não têm documentos, andam na mendicidade, temos de as proteger”.
A negligência continua a ser o principal perigo (9.168 processos abertos em 2009). Atrás dela, a exposição a modelos de comportamento desviante (4397), os maus tratos psicológicos, abuso emocional (3554), o abandono escolar (3544), os maus tratos físicos (1777).
Frente a isto, as CPCJ privilegiam as medidas em meio natural de vida. E dentro delas sobressai o apoio junto dos pais – aplicado a 22.229 crianças (77 por cento do total). Ainda assim, 2724 menores foram encaminhados para instituições (2510) ou para acolhimento familiar (214). Bem mais do que em 2008, ano em que apenas 701 foram forçados a deixar quem não os protegia: 625 para instituições e 75 para famílias de acolhimento.
A orientação continua a ser para apostar na intervenção que permita a criança manter-se na sua família, sublinha Armando Leandro. A secretária de Estado Idália Moniz associa o maior recurso à institucionalização ao crescimento do número de medidas aplicadas às crianças, que passaram de 9486 para 29.009: “As comissões estão mais organizadas, têm uma maior capacidade de trabalho.” Já não esperam para ver: “Que ninguém fique com a consciência pesada pelo que devia ter feito e não fez!” Em caso de dúvida, retiram. Nem que a devolvam dali a pouco. Tanto que “grande parte das crianças regressa a casa em menos de um ano”.
Idália Moniz enfatiza a mudança que nota na sociedade portuguesa: “Já não coabitamos com determinadas situações. Antes, as pessoas viam um homem bater na mulher ou nos filhos e nada faziam. Hoje os vizinhos sinalizam, os familiares sinalizam, os próprios pais sinalizam.”
A escola continua a ser a entidade que mais alerta (22,2 por cento) as CPCJ – depois dela, as forças de segurança; os pais. E esta é a terceira supresa: no ano passado, houve 2343 casos denunciados por progenitores. “Muitas vezes, são pais que não conseguem lidar com o comportamento dos filhos adolescentes e vão pedir ajuda às CPCJ”,esclarece a secretária de Estado.
Os pedidos de ajuda lançados pelos pais também tem a ver com o já referido aumento da institucionalização. Com efeito, lê-se no relatório a que o PÚBLICO teve acesso, “em todas as faixas etárias a medida mais aplicada foi o apoio junto dos pais seguida da medida de apoio junto de outros familiares, a excepção verifica-se no escalão 18-21 anos, onde o acolhimento institucional e o apoio para a autonomia de vida registam valores significativos”.
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